sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Baronesa

1092010

Esse nosso caso sórdido
Que arde e é quente
Mas me deixa descrente…
És por inteiro, sobre tudo verdadeiro?
Sou somente sua dama,
Meu querido e tórrido cavalheiro?

Acredito no desejo dos corpos
No calor da vontade
Nos pensamentos insanos
Este querer tão intenso
Mesmo que seja às escondidas
Por debaixo dos panos

Se barão sabe
Sou esposa morta
Mas se tal homem some
Perco a noção do tempo
Da alegria, da vida e da fome

Luiza M.

Forca

4092010

Feche os olhos. Pense num buraco negro. Cave-o, mentalmente, o mais fundo que conseguir. Vá até o final e veja o que encontra. Não há nada que você possa ver. É o fim. Veja como é escuro e assustador. Olhe para os lados e sinta como é apertado, como lhe falta o ar e a sensação de solidão é imensa.

É assim o fim de sua vida. Não falo do fim como a morte em si, mas sim de quando você desistiu de tudo. Falo em memória daquele momento em que você achou que jogar tudo para o alto fosse a coisa certa a fazer.

Você pode até estar vivo ainda, mesmo que seja só fisicamente, porque a esse ponto, seu estado de espírito está por um fio. Você estava sentindo como se a corda em volta de seu pescoço fosse apertando mais e mais a cada movimento de inspirar e respirar. Entregou os pontos com consciência, sabendo de tudo que ainda estava por vir. Você não estava enganado. Você sabia, você sempre soube.

Ao invés de deixar de se enforcar com a corda e usá-la para laçar aquilo que queria de verdade, sentiu pena de si mesmo, deixou se levar pelo medo de tentar e pela tentação do fracasso, que é sempre mais forte que o estímulo da superação. Achou mais fácil desistir do que seguir em frente, mesmo que a derrota fosse inevitável. E seu pior fracasso não foi o fato de não ter obtido êxito naquilo que desejava e sim ter sido fraco e não ter lutado por seus objetivos.

Mas mesmo assim, não se sinta o pior dos seres da terra. Ainda há, e sempre haverá a chance de sair do fundo e renascer das cinzas da derrota. Nunca ouviu falar da luz no fim do túnel? Não deixe escapar sua saída. Vá em frente e siga o que realmente vale a pena e não tenha medo. E lembre-se, você nunca estará sozinho.

Cartas de uma (ex) namorada.

15082010

Você tem toda razão. Seu tempo, sua paciência comigo. Tudo acabou. Vou te deixar em paz, para que você possa viver com outras pessoas todas aquelas mentiras que um dia já me prometeu.

Mas vou te dizer algumas coisas. Eu aprendi muitas lições com você. Lição número um: não devo, de maneira nenhuma, em hipótese alguma, colocar minha felicidade nas mãos dos outros. E sabe de que jeito aprendi isso? Vivendo com você. Seu jeito terrível, suas péssimas manias, seu gênio forte. Mas não confunda gênio com personalidade. Aliais, a qual você não tem nenhuma. Era só mais um atrás de seus brilhantes amigos.

Tudo bem, não vou entrar em detalhes quanto a eles, não vem ao caso dizer o quanto eu ficava irritada nas noites em que saíamos e que você insistia em carregá-los a tiracolo. Voltando ao assunto, só agora eu pude perceber que por mais amor que eu pudesse ter te dado, eu nunca seria boa o suficiente pra você. Você é o cara, o mais lindo, o mais amado, o mais querido. O fortão, o destemido, importante e lutador. Mas cuidado, um dia a casa cai. Lembre-se: quanto maior o salto, maior a queda.

Até acredito que você tenha gostado de mim de verdade. Mas não tanto o quanto você gosta de você mesmo. Entendo que o primeiro amor é o amor próprio e concordo plenamente com isso, mas daí achar que o mundo gira somente em volta do seu umbigo? Era meio demais para minha cabeça. Estive pensando na última vez em que eu realmente me diverti, conclui que já faz um bom tempo que não sei o que é isso. Você deve estar se perguntando sobre todas aquelas festas em que você me levou. Você realmente não achava que eu pudesse estar me divertindo não é? Ficar sentada sozinha, sendo exibida como se fosse um troféu, na expectativa de você dizer que aquilo estava um saco e que especialmente naquela noite iríamos fazer o que eu quisesse. Pena que isso nunca aconteceu.

Só quero que entenda que, assim como pra você, pra mim também acabou. Agora eu estou solteira e sei que vai ser muito bom. Eu plantei minhas sementes e vou colher o que brotar na minha frente. Curtir ao máximo todas aquelas coisas que você julgava ser chato, fazer tudo aquilo, que durante nosso tempo junto, você me proibiu de fazer. E a propósito, agora que não tenho mais suas cobranças, seus telefonemas desesperados pra saber onde eu estava, estou tendo mais tempo pra mim. Para me produzir mais, ficar mais bonita, me cuidar. Então, quando me vir andando pela rua, me olhe e pense em todo mal que você me fez, em tudo aquilo de ruim que me causou e pense, sim, pense que fui realmente mais esperta que você.

Quero que saiba também, que quando seu sonho cor de rosa terminar e você se vir jogado num canto, esquecido feito as suas meias dentro do seu tênis após o futebol, você pode me ligar. E eu vou te atender, não se preocupe.. Você poderá me contar toda a sua trajetória de vida e eu vou ouvir na mais plena paz. e quando você me perguntar o que eu achei de tudo isso e o que vou fazer não se assuste quando ouvir minha voz dizer: Você se fodeu, otário.

Mais um Zé

5062010

Texto baseado numa imagem do livro Cidadão de papel.

Um corpo pequeno e franzino. Aparência triste. Rosto fino e abatido. Não aparenta ter a idade que realmente tem. A rotina desgastante de vender doces no sinal de uma movimentada avenida de São Paulo faz de seu Zé de Aristides mais um corpo se movendo nas tristes verdades em que se encontram muitos brasileiros menos afortunados . Sua magreza assusta. Vê-se claramente que não é por fazer regime e sim, pela falta de ter o que comer.

Ainda está escuro quando seu Zé sai de casa. No fundo de seus olhos, percebem-se características raras nos dias de hoje. Coragem e determinação para seguir em frente. Mas, no coração, bate a triste sensação de não saber o que vai acontecer, o medo do destino e a aflição da possibilidade de não voltar para casa. Ele deixa para trás a mulher e os filhos. E vai para a rua em busca de melhores condições de vida.

Mesmo sem saber ler, seu Zé carrega no pescoço uma placa que diz que está desempregado e que precisa de uma oportunidade. A tentativa é importante, mas no olhar do restante da população, aquilo não passa de uma coleira, o que mostra mais ainda a incredulidade e o egoísmo do povo, que passa por ele e o trata feito bicho, por causa de sua condição e aparência. Mas é desse jeito que seu Zé segue a vida, sempre em busca de novas oportunidades, até que sejam tomadas as atitudes corretas.

Arriscar a vida entre os carros, submeter-se à humilhação pública não faz dele o pior ser humano do mundo. Mas também não faz daqueles que não passam por isso, pessoas melhores que ele. E é isso que seu Zé de Aristides leva em conta na hora em que bate o desespero e a vontade de desistir.

Mas ele é brasileiro. E não desiste nunca.

Luiza M.

Abiogênese

Surgiu no meu velho cadáver
Decompôs no solo meus antigos
sentimentos e sofrimentos.

Se multiplicou por minhas veias
Da cabeça ao coração
De um segundo, uma fração.


Onde nem cientistas nem turistas
Viam graça ou explicação
Deu vida ao preto
Clareou a escuridão.